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Amor à camisola? Primeiro é preciso amar...

por Ao Colinho do Isaías, em 14.09.16

A atitude do Talisca ontem, ao marcar o golo do Besiktas na Luz, apenas meses depois de ter celebrado o tricampeonato com o Benfica, provocou das mais variadas reacções. Uns condenaram veementemente, outros disseram que era uma situação normal.

 

Há uns dias atrás, houve um post no NGB, do Redmoon, que constatou algo óbvio. Pareceu-me que o Redmoon, no entanto, não aprofundou os motivos que tornam evidente esse estado de coisas.

 

Não tenho pretensões de o conseguir fazer plenamente, mas, pelo menos, tentarei colocar alguns pontos para debate, de modo a permitir que se chegue a alguma ideia mais clara.

 

A verdade é que, para o adepto, um profissional de futebol não é só um empregado que presta um serviço a troco de um salário. É parte de uma família. Por muito irracional que isso seja, é uma necessidade do ser humano saber com que pessoas contar, em que pessoas confiar. É irracional, porque os "profissionais" (sejam da bola ou de outra coisa qualquer) estão inseridos num mundo de egocentrismo mercantil e narcisista, estimulados por todos os lados para obter mais e mais rendimento, dê por onde der. Mesmo quando há uma quebra dessa confiança, a necessidade que mencionei é tão forte que se adaptam as leituras das circunstâncias, por forma a manter mais ou menos intacta a visão que se tem dessa família. Por isto é que, por exemplo, se vota geralmente sempre nos mesmos partidos e pessoas que giram à volta dos mesmos círculos de interesses, mesmo sabendo e tendo provas que houve mentira.

 

Uma massa de pessoas é um ser próprio, diferente de cada um dos seus indivíduos.

 

O que se passa no futebol, passa-se na vida social em geral. As pessoas perderam o sentido de confiança umas nas outras, perderam também as suas identidades, entregues com a promessa de um mundo melhor. Os "cotas" não percebem nada e os "jovens" têm as portas do mundo abertas e percebem tudo. Contudo, o que obtiveram e irão continuar a obter trata-se de um mundo cada vez mais inócuo, despido de valores que, alguns foram percebendo ao longo do caminho, afinal fazem falta.

 

Porque nos lembramos sempre de Eusébio quando pensamos em Benfica e Amor à Camisola? «Já não há Eusébios, jogadores com verdadeiro amor pelo clube» dizem muitos e com razão, mas qual o motivo de não haverem mais jogadores com essa dedicação, esse amor?

Todos nós, adeptos, levámos a bofetada da mudança de Jorge Jesus e de Maxi Pereira para dois rivais. Por muito que se racionalize, que se diga que até foi melhor, etc, todos sentimos, porque se trata de uma necessidade absolutamente irracional. Só que se no mundo, na vida do dia-a-dia, o valor máximo é o dinheiro, como esperar que possam aparecer outros Eusébios? Num mundo em que as relações entre as pessoas são, na generalidade, vãs e efémeras, em que as famílias estruturalmente fortes estão em vias de extinção, como esperar que possam surgir "filhos desta era" com uma atitude diferente?

 

Não sou cínico nem hipócrita. Eu próprio vivo nesse mundo que descrevo e tenho de conviver com esse novo paradigma. Eu próprio já tratei com o mesmo desdém que hoje condeno, esse conjunto de valores que, vendiam-me, "nos aprisionava".

Também não afirmo que nos anos 60 ou que no "tempo dos nossos avós" é que era bom - longe disso - mas estava-se então a uma maior distância desse "vazio" que se observa hoje.


Só que o resultado visível para aquele que observa enquanto os anos vão passando, bem como a experiência de vida vai aumentando, é que o âmago da questão reside na perda da capacidade de AMAR. É tão simples como isto.

Para amar é preciso colocar algo de superior acima da satisfação imediata, própria e material. Contudo, temos toda a sociedade a estimular os seus elementos a não se comprometerem com nada, a tratarem apenas de si mesmos, a entenderem valores numerários em contas bancárias como sinónimo de supremo sucesso. Muitos desses novos filhos da sociedade mentem-se quanto a isso, dizem que há valores mais importantes, para se sentirem bem consigo perante o quadro de valores que é inexistente. No entanto, quando observados numa situação de pressão, desmonta-se a máscara e vê-se que aquele amor "às coisas mais importantes" nada mais era que interesse efémero e narcisista pintado a falsa moralidade.

Não há Amor à Camisola - é um facto. Só que este só não existe, porque não há amor a nada. O verdadeiro amor, equilibrado naturalmente no dar e no receber, foi substituído por uma folha artificial que anota o deve e o haver. Amizade? Um conjunto de interesses que mudam conforme as circunstâncias. Casais? Hoje serve esta/e, amanhã procura-se outra/o se algum obstáculo surgir pelo caminho que se oponha ao "sentir bem".

Como pode, assim, haver Amor à Camisola? Claro que não. Hoje amam o Benfica e beijam o emblema, pois isso dá-lhes o apoio e o verdadeiro amor dos adeptos, mas amanhã, quando surgir outro clube que dê mais dinheiro, mesmo que seja um rival, lá vão, beijar a camisola do outro lado. Isto porque não sabem amar, mesmo que afirmem a pés juntos e muito indignados que sim, sabem, que até amam os filhos que educam de forma vazia como eles foram e as esposas que basta que a sua carreira trema e a estabilidade financeira esteja em risco, para procurarem melhor poiso.

Vivemos num mundo de máscaras mentirosas que tapam criaturas eticamente obscenas. Se grande parte de nós, um dia, nos confrontássemos com a nossa verdadeira imagem "ao espelho" do espírito, não suportaríamos sequer tal realidade, tratando logo de justificar o injustificável com mais tinta psicológica por cima da alma.

 

Carl Gustav Jung escreveu:

 

«As pessoas farão qualquer coisa, não importa o quão absurdo,

para evitarem olhar para suas próprias almas.»

e

«Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor.

Um é a sombra do outro.»

 

Posto isto, e em suma, a verdade que observo é que os jogadores agarram-se a uma forma de hipergamia, por vezes obsessiva, sob a desculpa de que as suas carreiras são curtas. No entanto, curtas ou longas, acabam por verificar que nunca chega o dinheiro. Depois vão para treinadores ou outra função empresarial e continuam no mesmo ciclo como antes.

Só que isto é um reflexo da sociedade, não uma situação exclusiva ao futebol ou sequer ao desporto.

Amor à camisola? Primeiro é preciso amar... e isso só poucos entre nós verdadeiramente entendem.

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rematado às 16:25




10 comentários

De joca a 14.09.2016 às 17:10

Para amar, é primeiro necessário um quid que seja amável.
O futebol empresa, a actual gestão do Glorioso erradicou esse quid.
grande abraço

De Ao Colinho do Isaías a 14.09.2016 às 17:52

Caro Joca,

Concordo e não é específico ao Benfica nem ao futebol.

Muita tabula rasa foi feita em nome do "progresso" e do "futuro".

Grato,
A.do Isaías

De Anónimo a 14.09.2016 às 19:12

Parabéns pelo texto.
Nos dias que correm, é cada vez mais raro encontrar alguma coisa bem escrita e com sumo que compare o que se passa no futebol com a realidade do séc. XXI e, em geral, com a condição humana.
Só é pena que tenha sido esporeado pelo que se passou ontem, mas pronto. Tenho pena pelo jogador, que ainda é um miúdo, e tenho pena que o clube se veja mais uma vez envolvido nestas andanças. Foi um episódio triste. Quem sabe se o empate não tenha sido útil, no sentido de separar o trigo do joio e criar condições onde se possa corrigir os erros cometidos.

De Ao Colinho do Isaías a 14.09.2016 às 19:30

Caro Anónimo,

Antes de mais, grato pelo apreço e comentário.

O episódio, triste foi, com certeza.
Se será útil? Hm... :-\ Não sei.

Desejo que seja!

Cumprimentos,
A.do Isaías

De BF a 15.09.2016 às 09:26

Caro Amigo do Isaías,

Grande, enorme "posta", com direito a Jung e tudo.

De Ao Colinho do Isaías a 15.09.2016 às 09:32

Caro BF,

Grato pelo apreço.

Olhe que sou apenas um admirador do Isaías, não posso chamar a mim a honra de ser amigo de um dos portadores da mística. :-)

Cumprimentos,
A.do Isaías

De Anónimo a 15.09.2016 às 10:18

Talisca é mais um merdas (como profissional e como homem) a provar que o que interessa a um benfiquista é o amor ao seu clube. Mais nada. Idolatrar jogadores, acreditar que os beijos no emblema das camisolas tem algum significado, é crer em balelas. Porque eles (os jogadores) vão e vêm ao sabor das pesetas.
O que o moleque descabeçado fez não se faz, por mais que alguns benfiquistas queiram branquear a coisa. A atitude que teve, desde que entrou em campo, foi nojenta - nunca o vi correr e esforçar-se tanto quando envergava a camisola encarnada. Fazia a sua obrigação para com o clube que agora lhe paga, marcava o golo e não cuspia no prato onde comeu, não mordia a mão que o levantou para o futebol a sério e, sobretudo, não ofendia os adeptos que sempre o acarinharam.
Pelo andar da carruagem, este rapazola é mais um daqueles que vai ter uma carreira a condizer com o seu mau caráter. E a esturrar dinheiro como parece que esturra, armado em novo-rico, um dia ainda vai matar a fome com a sopa dos pobres, como aconteceu a outros palermas como ele.

De Ao Colinho do Isaías a 15.09.2016 às 10:21

Caro anónimo,

Certo, mas isso não se limita ao Talisca nem ao futebol, infelizmente.

Cumprimentos,
A.do Isaías

De BF a 16.09.2016 às 10:18

Caro 10.18 exageras.

Talisca não é um merdas. É um menino crescido que claramente é mal aconselhado. Isso vê-se por tudo o que disse e desdisse desde que foi para a Turquia.

Naquilo que fez ao serviço do Benfica, é ver o último terço da temporada passada. Poucos foram tão críticos do Taslisca como eu, que o criticava até quando marcava, e no entanto notou-se uma diferença nessa fase.

Arrisco dizer que se não desse tantos ouvidos aos "conselheiros" podia perfeitamente andar a lutar com o Horta por um lugar no 11, e o Benfica só sairia a ganhar dessa luta. Não podia, pela ligação que ainda tem com o Benfica, celebrar, na Luz, daquela forma.

De Ao Colinho do Isaías a 16.09.2016 às 10:59

É, caro BF, esse é um debate antigo, não é? :-)

Ser jogador de futebol é muito mais que ser um atleta tecnicamente dotado.
O potencial, ninguém nega que o Talisca tem, bem como ninguém se recusa a ver a utilidade técnica. Falta o resto, que é, na realidade, o que falta a quase todas as jovens promessas que ficaram por cumprir.

Mal aconselhado, seguramente, mas isso não explica tudo. Afinal, há o conselheiro e há o aconselhado - ambos têm responsabilidades.

Cumprimentos!
A.do Isaías

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