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Pode não ter sido pelos motivos que aparenta, mas as declarações de Luís Figo em relação a Eusébio e Cristiano Ronaldo, fazem regressar à minha memória uma questão que, pessoalmente, considero de resposta óbvia, mas que parece que nunca terá solução, em particular neste momento específico de clubismo exacerbado.
Quem é, afinal, o melhor jogador Português de sempre?
Bom, apenas se poderá tecer bom julgamento quanto a esta questão se acordarmos o que consideramos serem os atributos de um jogador de futebol. Há quem defenda que os números são tudo. Bom, mas nesse caso considerem-se todos os números, como o número de jogos entre a época de um e a de outro. Se Eusébio jogasse mais, teria tido a oportunidade de fazer "mais números". Números somente não servem para encontrar uma solução. Os tempos foram evoluindo, há um mundo de diferença entre os tempos de Eusébio e Cristiano Ronaldo, mas há factores que são evidentemente transversais e que até poderão ajudar-nos a entender quem foi o melhor, precisamente devido às diferenças entre cada uma das suas épocas. Tentarei expôr três dos principais factores:
Tecnologia:
- Eusébio treinou, jogou e evoluiu com acesso a processos, materiais e métodos muito "artesanais" comparados com os de hoje - primeiro no Sporting de Lourenço Marques e depois no Sport Lisboa e Benfica. O Benfica tinha já condições de topo para a sua altura, mas incomparáveis à situação de qualquer clube mediano de uma jeitosa primeira divisão actual. Trabalhou muito com o pouco que tinha à disposição. Têm ideia de quanto pesava, por exemplo, uma bota daquelas? Das bolhas que muitas vezes causavam?
- Cristiano Ronaldo beneficiou, primeiro no Sporting (que, na altura dele, tinha a mais bem apetrechada academia de futebol em Portugal), depois no Manchester United e agora no Real Madrid de tecnologia e métodos inimagináveis sequer quando Eusébio começou. Tudo estudado e com métodos testados. Trabalhou muito com o muito que tinha à disposição.
Resistência:
- Eusébio jogou nos tempos antes de se permitirem substituições no futebol. As regras do futebol permitiam na altura, ainda por cima, a violência aberta. O King apanhou pela frente os piores e mais violentos defesas do seu tempo. Resistiu a todos. Jogou lesionado como se estivesse a 100%. Suportou o que hoje seria insuportável. Cansaço não servia de desculpa. Dor, para ele, não existia com o Manto Sagrado.
- Cristiano Ronaldo é e foi muito visado pelos defesas contrários, pela sua fantástica capacidade de drible, mas uma entrada considerada normal ao joelho do Eusébio nos anos 60, daria em expulsão hoje em dia ao adversário que o fizesse ao Cristiano Ronaldo. Incomparável.
Personalidade:
- A forma como Eusébio se comportava tanto com os seus colegas de profissão como com o mero adepto marcou todos quantos o conheceram pessoalmente. Sabedor da sua importância, era um de nós, ao serviço da Humanidade no geral e do Desporto em particular. Nunca escondeu nem quis ultrapassar as suas origens humildes, porque sentia que nada havia que ultrapassar: ele era o mesmo homem que saiu pobre de Moçambique à procura de um sonho no clube da Luz. Não há uma pessoa que com ele tenha convivido que tenha algo de menos bom a dizer.
- Cristiano Ronaldo envolve-se numa luta pública consigo mesmo e os seus fantasmas de infância. Ronaldo sente a necessidade de ser venerado. A determinação férrea de que se serve para alargar os seus limites continuamente, fazem dele um atleta excepcional, mas também insuflam um ego que não consegue manter-se afastado dos holofotes, nem que seja pela polémica desnecessária. Ronaldo saiu pobre da maravilhosa ilha da Madeira também à procura do sonho e alcançou-o. Contudo, não é consentânea a admiração dos seus pares e do público no geral. Ele sempre quis o que de melhor as luzes da ribalta lhe podem trazer, como se pudesse deixar de fora o lado negativo de tal exposição... e o pior ainda é que se recusa aprender a lidar consigo mesmo. Cristiano Ronaldo quer tanto ser o protagonista que acaba por prejudicar a sua equipa.
Há uns meses atrás envolvi-me num debate com um outro Benfiquista, no qual defendi que Ronaldo não era o melhor jogador Português de sempre e que, muitas vezes, era um elemento nefasto à sua equipa. Não chegámos a qualquer conclusão, cada um ficou com as suas opiniões, o que é perfeitamente saudável.
No entanto, afirmo aqui, aproveitando a oportunidade desta notícia, que entre Eusébio e Cristiano Ronaldo:
Porque não tenho um pingo de inveja: Eusébio, claro!
Incomparáveis.
Um tem meritório lugar no Panteão Nacional, porque foi muito mais que um excelente jogador.
O outro, tem um lugar na História do futebol, juntamente com tantos outros excelentes jogadores.
Da forma que todo o Euro 2016 correu a Portugal, estava escrito que seria desta que venceríamos: venceríamos pelos que hoje envergam a camisola da selecção nacional, mas também por todos os que a envergaram e não obtiveram essa vitória, merecendo-o bem mais.
O pontapé de Eder (que fez o jogo da sua vida, diga-se) foi de Eusébio, de Coluna, de Simões, de Chalana, de Carlos Manuel, de Diamantino, de Rui Costa, de João Pinto, de Figo e de todos os outros que, de certeza absoluta, injustamente não mencionei.
O peso deste golo na História do futebol Português, expande-se na direcção desses ases do passado e, com certeza, também no futuro - seja ele qual for, que esteja reservado para a selecção.
Rui Patrício teve um jogão, ao nível das exibições no resto do Euro, mantendo o sonho vivo em certos momentos.
Rui Fonte e Pepe estiveram certinhos (ainda que Pepe tenha sido um pouco mal batido no lance aos 91', em que o poste nos salvou).
Cedric e Guerreiro estiveram muito bem, tanto defensivamente como quando subiram no terreno. William algo nervoso, não conseguiu ser o pivot defensivo e primeira referência de construção (muito por culpa de Griezmann que lhe apareceu muitas vezes na zona).
Renato esteve um pouco apagado - pareceu-me cansado, o que é normal, tendo em conta a sua forma de jogar e o esforço que providenciou à equipa nos jogos anteriores.
Adrien entregou-se muito, mas esteve sempre em desvantagem perante a fisicalidade do meio campo Francês.
João Mário tentou sempre ser solução, mas, nunca conseguiu neste Euro evidenciar toda a capacidade que demonstrou no campeonato - talvez cansaço, também, sim.
Nani foi o jogador Português em melhor forma neste Euro e, apesar de muito tapado neste jogo, esteve bem no que foi possível.
João Moutinho fez o que Fernando Santos lhe pediu.
E depois, Eder. Bom, o Eder. Foi o jogo da vida do Eder, foi mesmo. Ganhou todas as bolas divididas pelo ar, pôs em sentido a dupla de centrais adversária e, para colocar a cereja no topo do bolo, ficou na História com o golo da vitória.
Ronaldo, por seu lado, alternou o Euro todo entre o jogador colectivo que eleva o futebol de qualquer equipa a um nível fantástico e o jogador dos números individuais que desafinam qualquer colectivo. Ele será dos poucos a não perceber que, num jogo destes, a sua saída acabou por ser benéfica para o jogo colectivo.
É triste que se continue a alimentar o ego e a necessidade de protagonismo de um rapaz que, não obstante a sua enorme qualidade futebolística individual, não tem postura nem arcaboiço para ser Capitão. Já sei, já sei: é o melhor do mundo, dizem os especialistas. Eu discordo dessa leitura mas aceito o veredicto deles. Contudo, há mais no futebol e no desporto que os números - Ronaldo, já trintão, pode estar à beira da fase da sua vida em que descobrirá isso mesmo e talvez não da forma que espera.
Chego a Fernando Santos. O seu bluff funcionou e as estrelas (as lá de cima e as que tinha na equipa) protegeram-no. Montou uma equipa com um futebol chato e pouco ligado, mas que, qual Itália, foi passando as barreiras que lhe apareceram ao caminho, com maior ou menor esforço, com maior ou menor fortuna.
Fica na História, isso é incontestável, como o seleccionador que conseguiu o que nenhum outro antes conseguira: ganhar uma final por Portugal.
Parabéns a todos os envolvidos pelo primeiro título de uma selecção Portuguesa!
Estava escrito!
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Quanto à finalista França: já lá estivemos, mes amis... sabemos como é.
Até por não precisar de usar a braçadeira de capitão, Gareth Bale revela ao mundo do futebol o que é um líder em campo, o que é uma estrela com talento enorme a jogar numa selecção que lhe é inferior.
Abnegado, esforçado, colocando em jogo os seus colegas com a sua classe e mortífero quando tem uma oportunidade.
Não se viu Bale a reclamar com os colegas, com o árbitro, com a relva, com o adversário. Viu-se um jogador extraordinário a dar tudo pelo colectivo em que joga, mesmo sabendo que os seus parceiros não estão ao seu nível.
Esta é a atitude de um verdadeiro líder.
Curiosamente, passando a bola sempre que pode e é melhor para a equipa, já é o melhor marcador do Euro2016 neste momento. Lições que poderiam ser úteis a quem já vai tarde para as aprender.
E as cores daquele equipamento assentam-lhe tão bem! :-)
Cristiano Ronaldo representa uma selecção nacional Portuguesa - como capitão, sendo o seu mais famoso exemplo - que é, no geral, vaidosa e egoísta - à imagem precisamente da sua mais mediática figura.
Os Islandeses perceberam ontem quem ele é. Nós, Benfiquistas, percebemos em 2005, quando Ronaldo nos lançou o dedinho do meio a todos em pleno palco da Luz.
A questão aqui é que Ronaldo representa como exemplo-mor uma série de gerações preocupadas com estatísticas e estilismos, passando o desporto - que o futebol deve ainda ser - para quase último plano.
Do passado longínquo, apresento uma reflexão de quem nunca conheceu Cristiano Ronaldo em pessoa, mas que vislumbrou o surgimento dos seus vícios de personalidade num futuro que hoje é presente.
Os tempos mudaram e o futebol de Cosme Damião perdeu a partida para a evolução social, sim. Ainda assim, quem não tem perspectiva Histórica das coisas, não tem chão onde poisar os pés:
«Quem só sabe de Futebol, nem de Futebol sabe.»
Emprestado daqui.
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