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Carlos Queiroz, actual seleccionador do Irão, antigo seleccionador de Portugal e treinador do Sporting e do Real Madrid, para além de adjunto do Ferguson no Manchester United, deu uma entrevista bastante aberta e interessante. Eis alguns excertos interessantes:
(...)
Mas se era adjunto no Estoril e já treinava seniores, porque decidiu voltar à formação?
A formação só servia de trampolim, para dar o salto para os seniores, e eu também queria isso: ser treinador principal de um clube. Só que... Fui convidado pelo José Augusto para trabalhar na Federação — ele era o lado prático, eu era o lado académico. O Jesualdo Ferreira também me tentou convencer. Eu já estava no futebol profissional e aquilo representava voltar para trás; mas fui convencido. E fiquei por lá 10 anos.
E o que encontrou?
Era tudo muito rudimentar e o Carlos Queiroz criou uma aberração chamada “Departamento Técnico de Futebol” [ironia]. A FPF tinha tudo menos uma coisa — o futebol, que era um departamento subsidiário do departamento financeiro, jurídico, etc. Não havia ninguém dedicado a pensar no futebol. Quando falei nisso, houve gente a dizer: “Então, mas agora vamos ter duas federações aqui dentro? Este gajo quer é mandar nisto.” Eu só queria ter autonomia para gerir, pensar e planear o futebol. Estava tudo acomodado e agarrado a lugares, e eu mexi com isso. Há um episódio curioso que tem a ver com o projeto de reestruturação do futebol português que eu apresentei. Um dos pontos era sobre a redução do número de equipas que iriam disputar a primeira divisão. Entrevistei todos os presidentes dos clubes — Pimenta Machado, Pinto da Costa incluídos — e a maioria concordou com a redução. Tenho os documentos que provam o que eles diziam: “Mais de 14 é uma loucura para um país como o nosso.” Alguns dos que concordaram com isso nas entrevistas privadas foram os primeiros que se puseram contra mim publicamente.
Porquê?
Porque a redução do número de clubes implica uma redução do número de votos por associação nas assembleias gerais, provocando um desequilíbrio no jogo de poderes. E havia muitos jogos de poderes e de interesses. Por exemplo: estava nos estatutos da FPF que a associação maioritária indicava o nome do presidente da Federação. Durante anos, de uma forma generosa e simpática, a associação mais representada [a do Porto] dizia: “Somos tão amigos, vocês de Lisboa que escolham o presidente, sim?” Porquê? Porque a segunda figura a ser escolhida era o presidente da arbitragem. [silêncio] Depois os de Lisboa falavam em “bandidos” e em “sistema?” E eu, treinadorzinho, assistia àquilo tudo e fazia perguntas incómodas.
(...)
Chegou a falar com o João Vieira Pinto sobre o 6-3 de Alvalade?
Andei eu a trabalhar o João Vieira Pinto para ele me fazer aquilo [risos]. Mas, olha, esse jogo não foi perdido em Alvalade. Caiu para o lado do Benfica, mas começámos a perder o dérbi quando, duas semanas antes, expulsaram três jogadores do Sporting, nas Antas: Juskowiak, Peixe e Vujacic. Os dois primeiros não jogaram contra o Benfica, porque apanharam dois jogos de castigo. Fala-se muito no sistema hoje, mas com tantas televisões, repetições, análises... O sistema? Sistema vivi eu, isto hoje é queijo fresco [silêncio]. E mais não digo.
(...)
Mas o episódio mais negativo e que o atira para fora de pé, aconteceu com o doping.
O caso do doping só se soube duas semanas depois de Portugal ter regressado do Mundial. O secretário de Estado do desporto [Laurentino Dias] do primeiro-ministro José Sócrates veio para a praça pública condenar o Carlos Queiroz. Foi uma construção imaginativa de meia dúzia de jornalistas que trataram o acidente do Nani de forma vergonhosa: o Nani lesionou-se, partiu uma clavícula após um pontapé de bicicleta que correu mal, mas disseram que o Carlos Queiroz estava a encobrir um caso de doping para proteger um ex-jogador do Manchester United. Havia coisas, rumores a correr nos bastidores.
Que rumores?
Que havia dois incidentes com o sistema antidoping português. Um deles, que tinha havido um problema na Covilhã, com um controlo; eu não sabia que era o único português que dizia palavrões [Carlos Queiroz insultou Luís Horta, presidente da Autoridade Antidopagem na altura]. Outro, que havia um jogador com doping e, quando o Nani se lesionou, acharam logo que era ele — e não era. O que eu devia ter feito, logo antes de partir para o Mundial, era ter testemunhado o que se passava; houve uma pessoa, o médico Gomes Pereira [do Sporting] que me pediu desculpa por não me poder ajudar porque o seu trabalho ficaria em risco se o fizesse. Mas ele e eu podíamos ter dito porque é que Luís Horta estava tão obcecado em fazer controlos antidoping sucessivos à seleção nacional, de forma exagerada; duas equipas a controlar na Covilhã, às seis e meia da manhã, coisa que a FIFA não deixava. Ele estava obstinado em apanhar um jogador que estava convocado.
Que era do Sporting.
Sim.
Quem?
Era o Liedson. Há factos registados e isto pode ser comprovado. O Liedson tinha feito um controlo casuístico e tinha vestígios de nandrolona. O médico Gomes Pereira pediu, depois, outro controlo voluntário antes da convocatória, e o Liedson foi ilibado. O Luís Horta aparece às seis da manhã na Covilhã, com os jogadores a dormirem e o jogo com Cabo Verde era nesse dia; eu quis intervir, pedir para deixar os jogadores dormirem mais um pouco, tal como a FIFA recomendava. Estive mal, mas naturalmente nunca quis insultar a mãe de Luís Horta.
E esse foi o fundamento legal para o despedirem, é isso?
Sim, despedimento com justa causa por causa do palavrão. Só que o advogado de trabalho da FPF dizia-me que aquilo não tinha fundamento. E como não havia fundamento para justa causa, reescreveram-se os relatórios dos controlos antidoping. Eu vi um e-mail de um dos médicos enviado a Luís Horta a perguntar se assim aquilo ficava bem, ou se era preciso acrescentar mais alguma coisa. Ao ponto que aquilo chegou: queriam provar que eu tinha impedido o controlo para me poderem despedir.
E o papel de Gilberto Madaíl nesse momento?
Há dois Gilberto Madaíl — e não vou dizer como o Manuel José, que diz que há um Gilberto antes do almoço e outro depois do almoço. Para mim, há um Gilberto Madaíl que me convida para a seleção, que esteve sempre presente, do meu lado; e, depois, há outro Gilberto que me despede através de outras pessoas, não teve a coragem de me olhar nos olhos. Primeiro, disse-me: “Só preciso da sua versão, vamos estar juntos até ao final.” Até que deixou de estar ao meu lado. O doutor Gilberto Madaíl mudou de opinião por outras razões. O doutor João Rodrigues [antigo presidente da FPF] disse-me isto, em casa, à frente de família: “Estou a falar-lhe como um pai, fuja do país, leve a sua família, eu é que o conheço. Se fosse o meu filho, eu punha-o no estrangeiro.” O doutor João Rodrigues era íntimo do Gilberto Madaíl e do partido [Partido Socialista].
Tentaram um acordo consigo?
Começaram-me a oferecer dinheiro: 250 mil euros, passaram para os 500 mil, acabaram no milhão de euros. Queriam calar-me. Eu disse: “Não quero dinheiro, quero é que limpem o meu nome.” Aquilo ia manchar a minha carreira, porque a palavra doping tem peso. Eu perdi um contrato com a seleção japonesa e outro com a África do Sul para defender o meu nome. Falei com Laurentino Dias e o Governo foi irredutível.
E qual era o interesse do Governo em afastá-lo?
Houve coisas, pormenores, episódios. Parece que cometi um crime político: eu tinha desafiado a autoridade política do Governo português. Por colocar em causa a autoridade da ADoP. Depois do gajo que assaltou o “Santa Maria”, eu podia ter sido o primeiro político de Portugal. Enfim. O senhor Amândio de Carvalho pôs a correr um rumor de que eu tinha cancelado o jantar da equipa depois do jogo com a Espanha... E isso fez parte do processo de acusação. Como se eu fosse proibir os jogadores de comer.
(...)
O Sport Lisboa e Benfica tem fundamentos para se queixar, como o fez, acerca da celeridade dos processos, da dualidade de critérios dos mesmos, mas, de facto, não se pode queixar de falta de transparência por parte dos orgãos decisores disciplinares da Federação Portuguesa de Futebol.
É absolutamente claro e transparente, com esta confirmação, que, realmente, tal diferenciação no trato disciplinar existe, é implementada e goza de uma celeridade única quando é objectivamente contra o Benfica. Isto porque situações iguais com outros intervenientes têm tido trato diferente, inequivocamente.
E estamos a falar tanto dentro de campo como fora - até aí há coerência.
Se dúvidas houvessem... eis a confirmação.
Sendo a Selecção Nacional (que até se prepara para jogar no Estádio da Luz) a representação máxima da Federação Portuguesa de Futebol, talvez seja bom momento para aqui citar um Benfiquista do Brasil, que proferiu do alto da sua sabedoria profética:
Grato, caro Benfiquista, por dar voz aos nossos pensamentos, ecoando a sua voz oriunda do passado, clarificando os nossos sentimentos em relação aos directos descendentes de meretrizes que infestam as instituições Portuguesas, como é claro exemplo (apenas um de muitos) a Federação Portuguesa de Futebol.
Retirado do Párem lá com isso.
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