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Estamos hoje, na segunda-feira de (infelizmente) mais um fim-de-semana queimado em Portugal, profundamente consternados. A dimensão da tragédia em Pedrogão Grande afectou-nos bem para além do hábito de ver a nossa terra queimada que, negativamente, já se nos instalou na nacionalidade do Fado.
Nestes momentos, surgem sempre não só a abnegação de um povo habituado ao sofrimento, como o oportunismo evidente de quem pretende ser visto em melhores termos do que o seu próprio mérito ético-pessoal qualificaria. Afinal, quem muito tem e muito pode dar, não precisa nem de um leilão de "likes" nem de uma exposição pública tão egocêntrica, digo eu.
Surge sempre, também e obviamente, a mais ou menos honesta consternação por parte de quem vive à custa da política, que deveria, originalmente, no seu conceito mais essencial, ser o primeiro ao serviço do seu Povo. Estas são as mesmas pessoas que, ano após ano, se mostram chocadas, se sentem tocados e vão cumprimentar e até abraçar vítimas, Bombeiros e funcionários da Protecção Civil na hora difícil. Bonito. Contudo, aceitam sempre, do cimo das suas desmesuradamente subsidiadas vidas, com uma magnânime humildade, os fundos de ajuda, ora doados por um Povo empobrecido mas sempre genuinamente generoso, ora atribuídos por instituições nacionais e europeias. Ano após ano, prometem-se medidas: mais disto, mais daquilo, mais do outro - criando-se sempre a quase indispensável comissão de estudo (umas mais "tachativas" - ou seja, derivadas de tachos e não de taxas - do que outras) cuja contribuição e conclusão, nunca publicitada com a mesma profundidade e eficácia do que se publicita a tragédia, cai no esquecimento prático quando as feridas públicas começam a sarar com a passagem do tempo.
Não é por falta de conhecimento técnico ou tecnológico que Portugal não se renova no combate aos incêndios florestais que nos assolam anualmente - ambos existem e de vanguarda. Nem é por falta de fundos, pois esses aparecem logo quando há tragédia se abate. Que motivação terão os políticos de carrossel, que hoje estão na oposição e amanhã no poder decisório - se é que essa soberania ainda existe em Portugal - em aplicar os fundos e o conhecimento em prática para uma efectiva e eficaz prevenção, se quando cai uma tragédia atrás de outra, são premiados com dinheiro fresco para gerir (em parte oriundo precisamente do Povo a quem falharam no momento mais crucial, servindo-se da sua autêntica generosidade) e obtendo visibilidade política positiva, nos abraços, lágrimas e palavras bem estudadas que se aprontam a fornecer? Que motivação haverá em prevenir, se há toda uma industria de comunicação social que enriquece e cresce à custa de vender tragédia a um povo habituado ao (e até, viciado em) sofrimento?
Com esta qualidade de gente dançando nos círculos de gestão de uma ténue soberania, vendendo Portugal ao fogo que aquece o tacho, não me restam dúvidas e afirmo-o peremptoriamente:
As vítimas desta tragédia terão, tal como as das anteriores, morrido em vão.
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